Caldeirada

de Amália Rodrigues

Em vésperas de caldeirada, o outro dia
Já que o peixe estava todo reunido
Teve o goraz a ideia de falar à assembleia
No que foi muito aplaudido

Camaradas: Principia, a ordem do dia
É tudo aquilo que for poluição
Porque o homem, que é um tipo cabeçudo
Resolveu destruir tudo, pois, então!

E com tal habilidade e intensidade
Nas fulguranças do gênio
Que transforma a água pura numa espécie de mistura
Que nem tem oxigênio

E diz ele que é o rei da criação!
As coisas que a gente lhe ouve e tem que ser!
Mas a minha opinião, diz o pargo capatão
Gostava de lha dizer!

Pois, se a gente até se afoga!
Grita a boga, por o homem ter estragado o ambiente!
Dá cabo da criação, esse pimpão
Isso não é decente!

Diz do seu lugar: Tá mal, o carapau
Porque, por estes caminhos
Certo vamos mais ou menos ficando todos pequenos
Assim como jaquinzinhos

Diz então o camarão, a certa altura
Mas o que é que nós ganhamos por falar?
Ó seu grande camarão, pergunta então o cação
Você nem quer refilar?

Se quer morrer, diz a lula toda fula
Com a mania da cerveja e dos cafézes
Morra lá à sua vontade, que assim seja!
Para agradar aos fregueses!

Diz nessa altura a sardinha pra taínha
Sabe a última do dia? A pescadinha, já louca
Meteu o rabo na boca
O que é uma porcaria!

Peço a palavra! Gritou o caranguejo
Eu, que tenho por mania observar
Tenho estudado a questão e vejo a poluição
Dia e noite a aumentar

Cai do céu a água pura
E a criatura pensa que aquilo que é dele é monopólio
Vai a gente beber dela e a goela
Fica cheia de petróleo!

A terra e o mar são para o cidadão
Assim como o seu palácio
Se um dia lhe deito o dente
Paga tudo de repente ou eu não seja crustáceo!

É um tipo irresponsável, grita o sável
O homem que tal aquele!
Vai à proposta pra mesa: Ou respeita a Natureza
Ou vamos todos a ele!

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